Meses depois do massacre de Suzano, muitas perguntas em torno de tudo o que aconteceu, e as muitas incertezas sobre os adolescentes e jovens que vivem cada vez mais mergulhados em suas depressões e angustias, ainda persistem.
No dia 13 de março deste ano, dois ex-alunos da Escola Estadual Raul Brasil assassinaram oito pessoas, alunos e funcionárias da mesma escola e cometeram suicídio depois. O cenário de tragédia e desolação pode trazer momentos de reflexão e alerta, com sinais psicológicos de massacres e outros graves tipos de violência entre crianças e adolescentes, que podem ser observados e tratados a tempo.
Orientação aos pais e responsáveis:
Crianças e adolescentes precisam e desejam receber limites: Não se pode ter medo de dizer não, ou de impor limites e contrapartidas para que recebam um sim. Esses limites demonstram amor, cuidado e zelo. Não é incomum atender adolescentes durante as sessões que dizem não amar suas famílias porque os seus responsáveis “não se importam com eles, e que são ocupados demais até para dar broncas”. Essa geração grita por atenção, grita por disciplina e não sabe o que fazer com tanta liberdade fora de hora, optando por ações e reações assustadoras, orientadas por doutrinações perigosas disponíveis na internet.
A culpa não cura: Ao constatar que estão em pleno descontrole e declínio em relação aos seus filhos, os responsáveis, por vezes, se entregam à angustia, ao desespero e à culpa. Buscam alternativas em si mesmos, nas recompensas infantis de suas necessidades emocionais de pais e mães, atolando-se em mais trabalhos e ocupações, e “desistindo” da difícil tarefa de reconstruir os relacionamentos, reconquistar o amor e a confiança, e recuperar as perspectivas de bons educadores, construídas em algum momento de suas vidas.
A culpa, na maioria das vezes, não vem em formato de culpa. Ela se apresenta como fuga, como procrastinação, falta de tempo e terceirização de responsabilidade de educar. O primeiro passo para resolver os problemas com crianças e adolescentes que dão sinais psicológicos de grandes desgraças, é a transparência, a empatia, a consciência de que há um erro que, com a ajuda certa, poderá ser corrigido e tratado, evitando uma grande crise, para o bem estar de todos os envolvidos.
Aos professore e educadores em geral:
O vínculo afetivo é real: Alguns sinais podem ser revelados no cotidiano escolar, com a observação dos professores em sala de aula, ou da coordenação pedagógica, com análises de evolução ou declínio dos alunos, bem como os casos de indisciplina ou de afastamento da turma. Essa é uma tarefa que precisa ser realizada com desprendimento e amor do docente.
Algumas crianças e adolescentes sentem mais liberdade de conversar e contar sobre suas vidas a professores (as) do que às suas famílias, e essa é uma excelente oportunidade para compor perfis que precisam de mais atenção, com desenvolvimento de ações e propostas dentro do espaço educativo para atender a quem precisa de ajuda.
Tolerância zero para o bullying: Só é “brincadeira” quando todos se divertem. Essa frase parece óbvia, mas dentro das escolas, sejam elas publicas ou privadas, é fundamental ter uma política de controle do bullying desde as primeiras “piadas” de mau gosto. Rodas de bate-papo, campanhas visuais de combate, controle das brincadeiras de mau gosto e um espaço de atendimento aos alunos é uma ótima opção de prevenir e, quem sabe, evitar novos massacres em escolas.
Às crianças e adolescentes:
Empatia para sempre: Colocar-se no lugar do outro não é uma tarefa fácil. Nunca foi e nunca será, principalmente para quem está em formação, passando por descobertas e vivendo uma ebulição hormonal constante. Mas é um desafio possível a partir de pequenos exercícios de colocar-se no lugar do outro.
Costumo dizer aos pacientes do consultório de psicologia, que somos vulneráveis e passíveis de errar, assim como outros adolescentes, crianças, pais e educadores. Rir ou fazer pouco caso de outro ser humano, semelhante a mim em sua existência é, além de muito desrespeitoso, uma falta grave que deve ser considerada e punida. E essa correção não precisa partir apenas de adultos e responsáveis, muito pelo contrário.
Entre as amizades o desrespeito pode ser tolhido de forma leve e discreta, apenas não repassando adiante o que deprecia e desrespeita o colega ou amigo, ou deixando que o promotor do bullying se sinta sozinho em suas próprias “boas ideias” de como desfazer, maltratar, agredir ou xingar alguém. A mola propulsora do desrespeito é o apoio cego a atitudes irresponsáveis. Quanto mais uma criança ou adolescente é desafiada a fazer diferença e a ser melhor, mais resultados coletivos e positivos colheremos entre eles.
Fale, mesmo quando for impedido: Olhe ao redor. Nem todos estão sorrindo, nem todos estão bem. Ao atender crianças e adolescentes, busco alinhar com eles sobre a verdade, que precisa ser protegida e utilizada em qualquer momento de suas vidas.
É muito comum que os colegas e amigos próximos notem mais sinais de que algo está errado no colega, do que os próprios familiares e professores, mas, na mesma proporção, é muito comum que ninguém queira ser “dedo duro” entre as pessoas da escola. Uma linha tênue de fidelidade e responsabilidade é visível entre crianças e adolescentes quando perguntados sobre atitudes e escolhas duvidosas de seus colegas de classe ou escola. Mas saibam, muitas vezes, o que vocês têm a dizer pode fazer diferença para resolver crises, melhorar a autoestima e o cuidado com quem precisa e, muitas vezes, evitar sofrimentos, ressentimentos, ferimentos físicos e, até mesmo, a morte.
O “código” de confiança da turma de amigos precisa estar sob uma ótica de cuidado com o outro, uma espécie de corrente do bem, em que o objetivo principal é falar, mesmo contrariando o “combinado”, para salvar a vida de alguém como eu, alguém que poderia ser eu.